O que nos motiva a comer? Desvendando os mecanismos biológicos do comportamento alimentar
Palavras-chave:
Homeostase, Energia, Alimentação, ComportamentoSinopse
Dentre os atuais eminentes pesquisadores, herdeiros da escola pernambucana de Neuropsiquiatria, nas áreas das ciências do comportamento, desponta a Dra. Sandra Lopes de Souza. Sua contribuição significativa no campo experimental das Neurociências e Nutrição é reconhecida internacionalmente, e pode ser facilmente constatada através de suas publicações originais, aceitas em revistas de grande impacto no mundo acadêmico. Do ponto de vista epistemológico, Dra. Sandra Lopes de Souza pertence a mais moderna linha de pensamento cientifico das chamadas Ciências da Vida, denominada “Origem desenvolvimentista da Saúde e da Doença”. Do ponto de vista social e humanitário, essa pesquisadora rigorosa, se coloca ao lado de figuras ícones da Nutrição; tais quais, Josué de Castro, Naide Teodósio e Nelson Chaves. Esses cientistas que foram preocupadíssimos com os graves problemas da fome no país e no planeta. Esses atributos lhe permitiram forjar uma plêiade de colaboradores que incansavelmente pesquisam as “Bases Fundamentais do Comportamento Alimentar”. E não bastasse toda contribuição acadêmica na pesquisa, no ensino e na formação dirigidos a nossa população, a Dra. Sandra nos brinda com essa obra que nos faz refletir sobremaneira acerca dos diversos aspectos do Comportamento Alimentar.
No início da obra, debuta o primeiro capítulo, intitulado “Comportamento alimentar no desenvolvimento fetal e maturação”, revelando-nos que “alimentar-se” inicia-se muito antes do que imaginamos. A regulação do comportamento alimentar é um processo complexo que envolve vários reguladores centrais e periféricos. O sistema de controle da ingestão alimentar pode se moldar dialeticamente em correspondência ao ambiente nutricional, direcionando-o inexoravelmente ao seu padrão maduro.
Segue-se um tema extremamente instigante e original na atualidade; qual seja, a “Palatabilidade no comportamento alimentar”. Quase imanente à dieta ocidentalizada surge o pressuposto do alimento palatável, e com esse, a tragédia dos alimentos ricos em gordura, açúcares simples e sal. A importância da palatabilidade para o comportamento alimentar e suas vias neurais são tratadas com rara profundidade.
Tratando sobre a “Sinalização do trato gastrointestinal para modulação do comportamento alimentar”, o leitor pode concluir que a ingestão de nutrientes é a única forma que os seres vivos possuem, na natureza, para obterem a energia necessária para realização de suas funções metabólicas. Particularmente, em animais pluricelulares, a exemplo do homem, uma vez que a alimentação é fundamental para a vida, o controle do comportamento alimentar não poderia ser restrito à região circunscrita de seus organismos.
Assim, em seus corpos, através dos milênios de evolução, diversas regiões foram se especializando para identificar a presença ou sinalizar a ausência de nutrientes e acionar a maquinaria, por ex. neural, levando a percepção de saciedade ou fome, respectivamente. Nesse capítulo sintético, entretanto primoroso, os mecanismos de modulação da ingestão alimentar são des-
vendados para o estudioso com o primor profundo e didático de um John Blundel, grande cientista da área.
No capítulo “Tecido adiposo e controle do comportamento alimentar”, depreende-se que o tecido adiposo órgão central no metabolismo e na regulação da homeostase de energia de todo o corpo. É um importante órgão endócrino com funções reguladoras no balanço energético, apresentando também funções neurais. Atente-se aqui para a importância do tecido adi-
poso marrom, tecido-órgão encontrado em todos os neonatos nas espécies mamíferas.
O nervo vago está distribuído em distintos mamíferos pelo corpo de uma forma espetacularmente extensa. Ele conduz uma gama de informações sensitivas e motoras das vísceras para o sistema nervoso central que por fim permitem resposta adequada ao aporte nutricional. No capitulo “ Nervo Vago e Controle do Comportamento Alimentar”, o papel deste nervo craniano no controle do comportamento alimentar, sobretudo na integração de sinais nutricionais da periferia do corpo para núcleos centrais são tratados à luz das mais recentes descobertas clinicas e experimentais. São apresentadas descrições, tanto estrutural do vago, bem como de sua participação na fisiologia do comportamento alimentar e na fisiopatologia da obesidade.
No capítulo “Controle do comportamento alimentar e metabolismo”, os autores procuram elucidar de modo sistemático as vias metabólicas implicadas nos distintos componentes advindos dos nutrientes que adentram e se transformam no organismo através do complexo processo da nutrição.
Assim sendo, a influência mútua entre ambiente, estado energético e comportamento alimentar, como concluirá o leitor, refletirá no metabolismo.
Outrossim, as diferentes vias metabólicas são moduladas de acordo com a ingestão ou não e essas também influenciarão o organismo a engajar-se ou não em processos para procura comportamental dos alimentos. A fórmula que o autor trata aspectos tão complexos de maneira didática torna a leitura prazerosa mesmo para leigos no assunto.
O hipotálamo segundo os autores é um dos principais, se não o principal, centro do controle do balanço energético. No capítulo denominado “Hipotálamo e o controle do comportamento alimentar”, os autores mostram que recebendo várias informações do trato gastrointestinal através do vago e da circulação, o hipotálamo integra informações sobre o tamanho da refeição, de sua palatabilidade, de sua carga energética, do valor nutricional da refeição e do tipo de alimento ingerido. Por conseguinte, chegam ao hipotálamo sinais de fome e saciedade que interagem com outras informações, as quais indicam o estado metabólico do indivíduo. Este conjunto complexo de interações decidirá a reação do organismo no controle do comportamento alimentar.
Os componentes homeostático e hedônico do comportamento alimentar são coordenados de forma complexa e integrada pelo sistema nervoso central. Os vários sistemas de neurotransmissão participam para tanto de forma decisiva. No capitulo “Neurotransmissão e Comportamento Alimentar”, há ênfase na ação dos sistemas serotonérgico e dopaminérgico. O sistema serotonérgico atuando principalmente no componente homeostático, enquanto o sistema dopaminérgico no componente hedônico. Certamente, John Stuart Mill ou mesmo Aristipo de Cirene se aqui estivessem vindos do passado recente ou remoto ficariam encantados diante das explicações cientificas do prazer embutido no ato de “alimentar-se”, nos proporcionada pelo autor. Após a leitura desse belo texto dirá o leitor: “A alimentação é a nutrição do corpo e da alma”.
Foi para mim um deleite ler esse capitulo que humildemente foi denominado “Controle hedônico do comportamento alimentar”. Contudo, o modus operandi de tratamento do tema nos leva viajar por uma estrada de aventuras e curiosidades. Ficamos a refletir sobre a complexidade de um ato corriqueiro e desde que nascemos habitual. E dai uma obvia constatação do pesquisador de que não paramos para pensar a tamanha transdisciplinaridade do ato prazeroso de comer, aquela mesma complexidade apontada por Edgar Morin. O que está por trás da escolha do alimento e consequentemente dos mecanismos que nos levam a sentir prazer quando consumimos determinados alimentos? Por que preferimos alimentos doces, salgados ou gordurosos? Por que a textura influencia na nossa escolha? Caro leitor deixo para vocês o mesmo prazer que tive ao ler por varias vezes esse capitulo.
O comportamento alimentar sempre foi estudado do ponto de vista homeostático, levando em consideração as vias neuroendócrinas e o balanço energético como fatores primordiais para a regulação desse comportamento.
Ao longo dos anos como a Dra. Sandra e sua equipe nos fazem observar através dessa obra brilhante, há mais partícipes na complexidade explicativa do comportamento alimentar. Sim! Existem muito mais mecanismos envolvidos, desde o controle hedônico, as interações ambientais e fatores epigenéticos. Há também aqueles microorganismos que habitam nosso cor-
po por exemplo a microbiota. E aqui a equipe da Dra. Sandra nos revela o papel da microbiota intestinal. Há estudos mais modernos que apontam a interação desta com o sistema nervoso do hospedeiro, através dos seus metabólitos, formando assim o eixo cérebro-intestino-microbiota. Vários fatores ambientais estão envolvidos na formação dessa microbiota e como ela irá interagir com o organismo. Esses fatores irão desde o tipo de nascimento, o estilo de vida e a alimentação do indivíduo, que influenciarão a formação e a manutenção da microbiota, bem como os produtos do seu metabolismo.
Esses metabólitos ao interagirem, por sua vez, com o sistema nervoso entérico, e com o sistema nervoso central através da via vagal, podem levar o indivíduo a ter preferência alimentar pelos nutrientes adequados à sua microbiota, perpetuando-a. Esse belo e empolgante capítulo aborda de uma maneira encantadora os aspectos da microbiota intestinal, o conceito do eixo
cérebro-intestino-microbiota e como esse eixo pode influenciar o controle do apetite. O capitulo é imperdível e denomina-se “Influência da microbiota intestinal no comportamento alimentar” O “Comportamento alimentar na obesidade” é o capitulo dessa obra que nos trás à memória uma das mais terríveis pandemias do planeta, a obesidade. A equipe da Dra. Sandra Lopes de Souza nos faz refletir nas entrelinhas que o prazer desmedido dos tempos modernos associados à falta de informação ou desinformação tem levado junto com fatores outros ao excesso de peso e a obesidade. Os autores da equipe da Dra. Sandra tentam de uma maneira embasada na ciência explicar o que se passa e o que leva nosso organismo ao acúmulo patológico. Fica claro que um aspecto patológico da obesidade esta associado de uma forma alterada àquela sensação de prazer despertada ao nos alimentarmos. Há portanto um sistema de recompensa no nosso encéfalo, ele também é conhecido pelos neurocientistas como sistema hedônico da alimentação ou sistema mesolímbico. Para atingir essa sensação, diversos circuitos neurais são ativados. Antes do acionamento dos circuitos neurais cerebrais, precisa ocorrer, principalmente, a interação do alimento com o sistema gustatório e olfatório iniciando as ativações neurais. No entanto, outros componentes sensoriais como textura (maciez ou crocância), temperatura, e mesmo a sensação de fome e memória de experiências passadas, serão determinantes para se construir o sabor e o paladar despertando o prazer de se alimentar. Comer é um dos atos prazerosos despertados em nosso organismo. Mas, este prazer pode ter alterações que culminam ultrapassando os limites do controle homeostático da fome e da
saciedade, e, por conseguinte, podem desencadear distúrbios alimentares e de peso corporal.
Enfim, sinto-me feliz por ter lido e prefaciado essa obra. E sei que sua leitura e estudo permitirá que muitos leitores deleitar-se-ão com o prazer do conhecimento sobre algo tão ligado a vida contido na obra literário-cientifica da equipe da Dra Sandra Lopes de Souza. Digo e repito desde os primórdios dos tempos sobre a face do nosso planeta: “Não há vida sem Nutrição e não há nutrição sem vida”. O comportamento alimentar acompanha a vida na evolução e no desenvolvimento de cada ser vivo em nosso planeta.
Capítulos
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Desenvolvimento do controle encefálico da ingestão alimentar
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Palatabilidade
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Sinalização do trato gastrointestinal para modulação do comportamento alimentar
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Tecido adiposo no metabolismo energético
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A utilização de energia pelo músculo
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Metabolismo humano e comportamento alimentar
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Núcleo do trato solitário e comportamento alimentar
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Hipotálamo no comportamento alimentar
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Controle hedônico: córtex pré-frontal, amígadala, área tegmentar ventral, núcleo accumbens, ventral pálido, tálamo, ínsula, NTS, hipotálamo latera
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Comportamento alimentar e fatores neuroendócrinos
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As células glia no comportamento alimentar
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Microbiota intestinal e controle do apetite
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Sistema de recompensa e obesidade
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Plasticidade fenotípica e comportamento alimentar
